Vida é movimento

“Não há vida sem movimento…” Nada é estático no universo, tudo se move e se transforma. Viver é mudança, é fluxo, é criação. Em Psicomotricidade Relacional ressalta-se a importância do prazer de agir, do prazer do movimento vivido no corpo, como um princípio que cria toda uma organização psíquica feita de desejos, de satisfações e prazeres, de frustrações e interditos.

É na necessidade do movimento, presente antes mesmo do nascimento, ainda na vida intrauterina, que a criança irá se comunicar, não somente de interação com o ambiente físico, mas também como meio de expressão com aqueles que o cercam. Em contrapartida, estudos apontam, que sua privação, poderá atuar negativamente em fatores, tais como: aspectos psicossociais, emocionais e cognitivos, inclusive como um fator de risco elevado para demência e depressão.

Há um prazer do movimento em si mesmo, uma sensação de prazer corporal difusa que mobiliza a sensação de ser e de existir como potência geradora de vida. Então como encontrar esse desejo de movimento, esse desejo de agir, possibilitando assim o acesso à criação e à expressões simbolizadas do viver?

Para André Lapierre, criador da Psicomotricidade Relacional, este deveria ser o objetivo constante da educação, desde os primeiros anos de vida da criança na escola: desencadear o desejo na criança de ser e de se relacionar. De acordo com ele, entre 0 e 3 anos, é o período em que se estrutura a personalidade da criança, e é nessa faixa etária que a atuação dos seus cuidadores é mais decisiva na formação de crianças saudáveis e adolescentes equilibrados. Portanto, a escola não deveria ser um espaço apenas para a aprendizagem cognitiva, mas também um lugar para a vivência do corpo de forma integral e integrada, em que a pulsão de movimento vivida pela criança acionaria o seu desejo de agir, de se expressar e de aprender.

Nos últimos anos, avanços têm acontecido neste sentido por meio da implantação de diretrizes curriculares que põem em relevo a importância do corpo, das funções e competências socioemocionais na formação escolar da criança. Segundo a BNCC, “por meio do campo de experiência do corpo, gestos e movimentos, as crianças conhecem e reconhecem as sensações e funções do seu corpo. Com isso, elas desenvolvem, ao mesmo tempo, a consciência sobre o que é seguro e o que oferece risco à sua integridade física”, portanto, sendo relevante e fundamental no ambiente escolar este espaço com possibilidades de expressão corporal, brincadeiras livres e descobertas de seus limites e do outro.

Com a pandemia, observamos as repercussões negativas que as crianças vivenciaram com a restrição de suas atividades sociais, sendo impedidas de agir na sua pulsão de movimento e vivenciar seu corpo no ambiente físico escolar. O aprisionamento do corpo diante das telas por um período prolongado ocasionou em muitas delas um adoecimento psíquico preocupante, com elevadas taxas de ansiedade, depressão e obesidade infantil. Com a retomada das atividades escolares presenciais, esse efeito devastador da pandemia vem sendo ressignificado e elaborado e aos poucos o movimento da vida, do prazer de agir tem surgido nos espaços escolares e sociais. Porém, há muito o que se fazer em prol de uma infância mais saudável, pois ao que tudo indica, a pandemia está passando, mas algumas questões da contemporaneidade ainda permanecem, como o uso excessivo de telas, a medicalização cada vez mais precoce das crianças, entre outras demandas que aparecem na escola e na clínica e que trazem repercussões na forma como nossas crianças e adolescentes se relacionam com seu próprio corpo, com seu desejo de agir e existir no mundo.

Dessa forma, concluímos reforçando que vida é movimento e que precisamos acionar nosso desejo de agir e de ser no mundo, de forma cada vez mais autêntica, experimentando o prazer de mover-se com desejo, criando e recriando possibilidades de ser mais feliz. Cabe a nós, adultos, buscarmos inspirações no movimento espontâneo das crianças, favorecendo espaços para que essa expressão seja vivida por elas na relação umas com as outras, na certeza de que estamos no caminho mais saudável, tornando o mundo um lugar melhor de se viver!

Por Ana Paula C. Bellaguarda (Psicóloga CRP 11/04564, Neuropsicóloga e Psicomotricista Relacional)