
Quais são os principais impactos emocionais e psicológicos para um pai que assume sozinho a criação dos filhos? Como ele pode lidar com esses desafios de forma saudável?
É preciso considerar que cada pessoa reage de uma forma, de acordo com a sua história, suas limitações e condições. Também é preciso levar em consideração o contexto de cada um, se ser pai solo se deu por uma escolha ou por outras circunstâncias da vida quando não estava esperando. Seja como for, é preciso buscar entender o que é ser homem e pai nos tempos atuais, pois, muitos homens ainda carregam consigo a referência de um modelo de homem provedor financeiro, figura forte de autoridade, mas culturalmente distanciado da implicação no cuidado e nutrição afetiva dos filhos. Além disso, precisa ser considerada a quebra do ideal de um modelo de família. Dependendo do seu referencial e repertório afetivo, esse pai pode se deparar com exigências que o coloca em choque consigo mesmo, ao mesmo tempo que a responsabilidade o convoca a dar conta das muitas demandas que surgem a todo tempo, o que pode causar sentimento de solidão quando não se tem com quem contar, de insegurança no seu exercício paterno, autocobrança exacerbada, baixa autoestima e muito desgaste emocional diante da sobrecarga e responsabilidades. Sendo assim, é preciso reconhecer sua história, aceitar a queda de um ideal hegemônico de família, assumir suas limitações, se preciso, até procurar ajuda profissional, para a partir de então, se acolher e buscar fortalecimento, para construir-se enquanto pai solo.
De que maneira a ausência materna pode afetar o desenvolvimento emocional da criança e como um pai solo pode suprir essa lacuna de forma equilibrada?
A falta de uma figura tão única e importante como uma mãe nunca será totalmente reparada. Crianças sentem e manifestam faltas, inclusive de mães muito presentes. A falta não está relacionada somente à presença de uma mãe em si, mas sim ao desejo de vivenciar experiências de nutrição afetiva com uma figura adulta feminina de referência. Essa falta pode se manifestar de formas variadas para cada criança. Inquietação motora, mudanças repentinas de humor, inibições, postura desafiadora, dificuldades na aprendizagem, introspecções, dificuldades de socialização, dentre outros sintomas que podem sinalizar uma forma de sofrimento emocional que por vezes, são inclusive, confundidos com os chamados transtornos do neurodesenvolvimento. Há ainda as crianças que em um processo de aparente negação defensiva, passam a infância desafetadas de suas dores até que tais faltas se manifestam na adolescência ou mesmo na fase adulta. As formas de sofrimento são complexas e singulares. Contudo, mesmo as perdas e faltas sendo uma realidade para todos, no caso da paternidade solo, é observado uma tendência da tentativa do pai em tentar suprir por completo a falta de uma figura materna. Tal ímpeto muitas vezes acaba incidindo em um viés exagerado, na superproteção, como se esse pai pudesse salvar seu filho do acesso ao sofrimento, impedindo que o mesmo possa aprender e se desenvolver diante dos desafios naturais da vida. A verdade é que a infância, para todos, seja com presença ou ausência de figuras parentais, não é uma fase tão romântica quanto fantasiada socialmente. A infância é atravessada também por sofrimentos e frustrações, onde cada criança busca uma forma de superação e se desenvolvem a partir disso. É verdade que em alguns casos, o sofrimento pode dificultar o desenvolvimento emocional. Em minha experiência clínica, a partir da abordagem da psicomotricidade relacional, onde o trabalho é realizado em grupo, conduzido por dois profissionais, uma figura masculina e uma figura feminina, percebemos que as crianças trazem esses conteúdos de sofrimento parentais e a partir das vivências simbólicas é possível intervir e possibilitar a experiência de demandas pendentes trazidas pelas próprias crianças, gerando ajuste emocional e superação de algumas formas de sofrimento. Portanto, um trabalho profissional de suporte, seja de forma preventiva ou direcionado às questões apresentadas pela criança, pode auxiliar em seu processo de desenvolvimento e orientação ao pai, considerando a subjetividade dos envolvidos nessa dinâmica familiar.
Existe um preconceito social que coloca a figura paterna como menos apta para os cuidados diários dos filhos? Como isso pode afetar a autoestima e o papel do pai solo?
Existe sim. A verdade é que o homem pode dar conta da casa e dos filhos também. Pode ser que ele não tenha sido incentivado e validado historicamente a se implicar nas atividades de cuidado com a casa e com o outro, mas é totalmente possível ocupar esse lugar e ajustar-se às demandas dessa dinâmica de cuidados. O preconceito que reflete na falta de reconhecimento e confiança na capacidade do exercício de um pai solo, gera pressão diante de expectativas sociais negativas e construção de um ideal de pai, que pode causar nesse sujeito uma auto exigência demasiada, sentimento de insuficiência, que o leve a querer provar constantemente para si e para os outros, que é capaz de exercer a paternidade. Uma lógica de funcionamento perigosa, podendo deixar esse pai na constante culpa da falta, já que ninguém consegue suprir as demandas do outro por completo e o tempo todo. Enquanto pais, sempre faltaremos ou falharemos em algo, independente da configuração familiar.
Como um pai solo pode fortalecer o vínculo afetivo com seu filho, especialmente em momentos de crise emocional ou desafios do dia a dia?
Para que aconteça o fortalecimento de vínculos entre pai e filho, é necessário o investimento na qualidade dessa relação, o que gera segurança.
Todos queremos nos sentir escutados e vistos, respeitados em nossa demanda, a criança mais ainda. Buscar uma comunicação transparente, pautada em verdades, apesar de incômodas, gera segurança e evita as fantasias dos não ditos captados e muitas vezes mal elaborados pelas crianças. Nos momentos de trocas, é importante que corpo e mente estejam presentes, atentos, nessa relação, um desafio para os tempos de tanta correria e automatismos, mas isso dará qualidade a essa relação. O estabelecimento de limites de forma saudável. O limite é estruturante e assegurador para criança, porém, é importante que seja dado com afeto e só pode ser alcançado de fato por meio do estabelecimento de vínculo, sem vínculo o que resta é o medo e a imposição, uma forma não saudável onde não há respeito mútuo, o que pode dificultar intensamente o enfrentamento dos desafios diários.
Um bom vínculo estabelecido gera a segurança interna, o que possibilita o desenvolvimento da autonomia da criança, rumo ao seu crescimento e independência. É preciso segurança no vínculo para que se tenha o desejo de crescer e enfrentar os desafios da vida. Isso acontece quando sabemos que temos um lugar seguro para onde voltar quando algo não estiver bem.
Que tipo de suporte psicológico e social é essencial para um pai solo? Como ele pode construir uma rede de apoio para enfrentar as dificuldades da paternidade?
É importante que esse pai busque para além de assumir as responsabilidade com o filho, olhar para si, exercer o autocuidado. É preciso primeiro estar bem para poder cuidar bem. Afinal, quem cuida do cuidador? Um cuidador psicologicamente adoecido ou, em um estado emocional comprometido, tende a afetar negativamente a quem se propõe cuidar. Se possível, seja de modo preventivo ou motivado por suspeita de adoecimento mental, é indicado buscar suporte psicológico profissional para ajudá-lo a lidar com as emoções e o peso das responsabilidades.
Investir em momentos de diversão, prazer e socialização, com e sem os filhos, evitando o sufocamento causado pela sobrecarga que pode acontecer ao se fechar somente no papel de pai. Nem sempre encontra-se tempo, energia e dinheiro para tal, nesse caso, é possível buscar pequenas atitudes que podem gerar prazer, ler um livro, assistir um filme, tirar um tempinho pra ouvir música, uma atividade física ao ar livre, aquilo que possa conectá-lo minimamente com o prazer.
Para isso e para os momentos de imprevistos e necessidades, se faz necessário planejar e criar possibilidades de construção de uma rede de apoio. Essa rede de apoio pode envolver familiares, amigos, vizinhos, escola e profissionais de suporte. É importante, aprender e saber pedir ajuda, exercitar o desprendimento e confiança na rede de apoio.
Valnei Pinto Macedo Júnior – CRP 16992
Psicólogo e Psicomotricista Relacional